Quando o assunto é filhos, pouco ainda se fala sobre o papel do pai e como é para ele a mudança na vida após a paternidade. Assim como a nova mãe, ele também precisa se adaptar a essa grande mudança e buscar referências para que possa aprender e compreender sua nova função.
O psicólogo Gabriel Puopolo de Almeida diz que não dá para falar de paternidade sem entrar em uma discussão sobre masculinidade. Existem elementos opressivos de delegar às mulheres o cuidado com os filhos decorrentes, é claro, da nossa cultura ainda bastante machista. “Por algumas razões os homens são criados acreditando que tudo o que se refere ao cuidado com o outro é obra do feminino. E somos criados também aterrorizados em parecer femininos. Precisamos o tempo todo mostrar que somos ‘homens’ e não ‘sacos de batatas’. Isso promove bastante angústia, e a saída mais tradicionalmente aceita para lidar com essa angústia é nos tornando violentos e opressores, posto que a nossa cultura também considera a fragilidade como uma qualidade essencialmente feminina”.
As gerações mais antigas tinham uma criação diferente e ainda mais machista onde o homem tinha apenas o papel de ser o “provedor” da casa enquanto a mulher cuidava dos filhos e dos afazeres domésticos. “O que se observa atualmente é a busca – muitas vezes bastante ‘atrapalhada’ – por um novo lugar de pai, por novas referências”, diz o psicólogo.
Ele comenta que o modelo “antigo de pai” onde só os pais saíam para trabalhar leva as crianças a desenvolverem uma referência muitas vezes idealizada e fantasiosa sobre esse pai distante e ausente. “Isso, por sua vez, leva a essas crianças, quando no papel de pais, a se sentirem bastante perdidas, sem tantas referências ou exemplos de como exercer a paternidade. Quando criança o pai ficou distante, e depois como adulto e já pai a pessoa não tem exemplos nos quais se espelhar e ajudar a entender e agir nesse novo papel”, ressalta.
Tradicionalmente, explica Almeida, caberia ao pai cuidar da mãe para que a mãe possa cuidar do bebê. “Caberia a ele proteger o lar, garantir e prover o seu sustento para que a mulher pudesse dedicar todo seu tempo, energia e atenção ao cuidado com a prole. Apesar de possuir vieses um tanto machistas nessa acepção de paternidade, o que também se pode notar é estas funções garantiam um sentido claro e culturalmente aceito ao papel da paternidade, algo que homens naturalmente podiam se identificar”.
Almeida observa que com as transformações no mercado de trabalho e na organização da família, que com todo mérito buscam garantir igualdade de condições a ambos homens e mulheres, em muitos aspectos “esvaziou” esse papel de provedor do pai, o que inclusive contribui para que muitos pais hoje fiquem “perdidos”, em busca de referências e sentidos para esse papel.
O psicólogo comenta que a paternidade é desempenhada a partir de um vínculo bem menos visceral se for comparada com a maternidade já que a mulher é quem gera o bebê e tem um contato mais intenso ao passar pelas infinitas transformações de gerar, parir e amamentar a cria. “Já o pai apenas ‘sonha’ seu filho, fantasiando-o e o idealizando, até o momento em que enfim o tem em seus braços, e mesmo assim sendo a parte exterior desse laço bastante simbiótico entre mãe e bebê. Sendo assim, não seria tão absurdo pensar que ser “pai” é algo que vai se formando com o tempo”.
O especialista diz que é completamente natural, justamente por conta da falta de referências, que faz com que a função paterna seja repleta de inseguranças, dúvidas e conflitos. “Os pais ficam quase sem nenhuma explicação ou amparo, afinal, o foco está na mãe e no bebê. Boa parte da dificuldade atual da paternidade decorre da solidão na qual ela acontece”, diz.
GRUPOS DE APOIO
Almeida, que é pai de duas crianças, diz que há uma mudança nesse sentido e que começam a surgir alguns profissionais ou mesmo pais que têm dedicado seu tempo a pensar, escrever e criar encontros para discutir o tema. No entanto, esses grupos ainda são poucos e estão mais concentradas em grandes metrópoles.
“É importante buscar resolver os preconceitos com informação e esclarecimento. Portanto é preciso dedicar tempo para se pensar e debater a masculinidade e a paternidade”, ressalta o especialista, que fará um encontro para discutir esse tema com Rodrigo Gentil Palma, no IABSP (Instituto de Análise Bionergética de São Paulo), na Vila Madalena, nesta quinta-feira (27). Para mais informações, clicar aqui.
A ideia, explica o psicólogo, não é trazer uma nova definição ou mesmo estabelecer um novo papel para o pai moderno, mas sim abrir a discussão, debater sobre essas mudanças e, refletir sobre as origens dessa crise da paternidade e o impacto de tudo isso no futuro das próximas gerações.