Até quando as maternidades vão separar os bebês de suas mães?

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Bebê em observação no berçário da maternidade (Foto: Bia Fotografia)

Bebê em observação no berçário da maternidade (Foto: Bia Fotografia)

A cena se repete diariamente nas maternidades brasileiras. O bebê nasce saudável e,  independente se nasceu por meio de uma cesárea ou de um parto normal, é separado da mãe e levado para o berçário para um período de “observação”.

Depois de um tempo o recém-nascido pode ser visto só de fraldas em um berço aquecido sendo fotografado pelos familiares através de um vidro. Muitas vezes o bebê está chorando, mas segue lá por algumas horas enquanto a mãe se recupera do parto. Somente horas depois ela o reencontra no quarto já de banho tomado e macacãozinho novo.

A pediatra Honorina de Almeida, da Casa Curumim, explica que essa prática de separar mães e bebês não tem base científica alguma e que só traz prejuízos para a amamentação e à adaptação daquele novo bebê. “O recém-nascido é colocado em um ambiente com pessoas estranhas o que pode fazer com que ele se contamine com bactérias que podem levar a um risco maior de infecção”, explica a médica.

Ela comenta ainda que o bebê pode ficar irritado ao ser manipulado por diferentes funcionários do berçário o que pode prejudicar também a sua adaptação. A pediatra diz ainda que essa conduta de levar o bebê para o berçário aumenta o risco de oferecerem leite de fórmula nas primeiras horas de vida o que vai na contramão do que preconiza a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Ministério da Saúde. Assim que nasce, o bebê saudável deve ir direto para o colo e o seio materno.

O que acontece na prática é que a grande maioria das mulheres são separadas dos seus filhos antes mesmo de colocarem eles nos braços.  Foi o que aconteceu no início deste ano com a publicitária Camila Govea Leal, 33. Ela  conta que  filha Antonella nasceu às 18h45 em uma cesárea no Hospital Santa Joana e que só teve contato com a filha às 23h30.

Camila conta que ficou na sala de recuperação por quatro horas e somente então foi para o quarto. “Somente depois de duas horas no quarto pude ver minha filha. Só pude amamentá-la no dia seguinte pela manhã”, comenta. A mãe conta que questionou as enfermeiras se ela não estava com fome e elas falaram que deram leite artificial pois o obstetra recomendou. “Ele alegou que eu estava esgotada”, lamenta. Nos dias seguintes, o bebê ficou a maior parte do tempo com ela, mas retornava ao berçário para os banhos e avaliação do pediatra.

A médica diz que os pais podem – e devem – exigir o alojamento conjunto em tempo integral. Os hospitais normalmente querem levar os bebês para o berçário com a justificativa das mães descansarem, mas é possível negar isso.

“Alguns profissionais fazem um pouco de ‘terrorismo’ do tipo ‘se acontecer algo, a responsabilidade é de vocês’, mas os pais podem ficar com a criança no quarto e acionar a equipe do hospital caso aconteça algo. Se o bebê precisar sair do quarto  para algum  exame os pais têm o direito de acompanhá-lo”, diz a pediatra, que aconselha levar para a maternidade cópias das normas de alojamento conjunto, da  lei do acompanhante e do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Recém-nascido é fotografado por familiar através de vidro (Foto: Bia Fotografia)

Recém-nascido é fotografado por familiar através de vidro (Foto: Bia Fotografia)

O tempo no berçário varia de acordo com cada hospital e, no caso da  arquiteta Paula Mouzinho, 31, demorou ainda mais pois acontecia a troca de plantões de funcionários. Ela conta que sua filha Joana nasceu em junho de 2013 e ficou oito horas longe após nascer de cesárea no Hospital São Luiz do Itaim Bibi (zona sul de SP). A menina nasceu bem e foi colocada no colo após passar pelos primeiros procedimentos no centro cirúrgico. “Ela ficou comigo por uns cinco minutos sem mamar. Pedi que não amarrassem minhas mãos e fui atendida, então, nessa hora pude segurá-la”, conta.

Logo depois, a mãe foi encaminhada para a sala de recuperação enquanto a bebê foi levada ao berçário central. Após a cirurgia, que aconteceu por volta das 14h, Paula conta que não conseguia levantar e que assim que chegou a primeira visita pediu para ela ficar de prontidão na porta do berçário vendo a menina pelo vidro. “Ela me disse que a bebê estava chorando e foi falar com as enfermeiras que disseram que ela só subiria depois de todos os procedimentos serem adotados”, comenta.

Somente por volta das 21h, a enfermeira chamou o pai para acompanhar o primeiro banho pelo vidro do berçário. “Minha amiga só foi embora no final do horário de visita, por volta das 22h, que foi quando a Joana chegou no quarto”, diz. As enfermeiras, segundo Paula, insistiam em levá-la para o berçário do andar durante à noite e diziam que precisava testar a glicemia, porque ela era um bebê grande e eles tendem a ficar hipoglicêmicos. Joana nasceu com 4.075 kg.

“Não a trouxeram para mamar. Tentaram dar leite artificial  sem me consultar, mas felizmente ela não aceitou. A amamentação demorou a engrenar. Ela só mamou bem com quase uma semana de vida”, diz.

A médica comenta que para fugir das rotinas e protocolos hospitalares muitos pais têm optado em contratar neonatologistas particulares para não usar o plantonista do hospital. “A presença de um pediatra para o bebê minimiza  práticas que podem ser desnecessárias ou danosas. Também pode diminuir o tempo de separação, por exemplo, além de prescrever para não darem banho ou que não realizem algum procedimento inadequado”, diz.

A pediatra aconselha aos pais conhecer antes a maternidade e as suas condutas antes de decidir onde terão seu bebê. “Por pressão de pediatras e pais, algumas maternidades reduziram o tempo de permanecia nos chamados berçários de observação ou mesmo aboliram esse tipo de berçário”.

O QUE DIZEM OS HOSPITAIS

Procurada, a assessoria de imprensa do São Luiz diz que todos os bebês passam por um período de observação no berçário. Segundo a maternidade, esse período é de 3 horas, de acordo com a evolução do bebê. “Neste período é observado se o bebê está se adaptando adequadamente à vida extra uterina, se apresenta desconforto respiratório ou hipoglicemia, além de passar por um novo exame físico com o pediatra – mais detalhado que o realizado dentro da sala de parto – antes de ser liberado para o quarto com a mãe”, diz  o hospital.

A maternidade diz ainda que o recomendado é que o bebê permaneça com a mãe em tempo integral em alojamento conjunto. “O bebê só fica no berçário setorial, longe da mãe, caso ela prefira (muitas vezes querem dormir mais tranquilas, por conta da dor, etc.)”, diz nota enviada pelo São Luiz. Os bebês ficam no berçário das 0h às 4h. “O alojamento conjunto 24 horas é um direito da mãe, basta solicitar. Como o bebê nesta fase dorme bastante, a mamãe não terá grandes problemas em permanecer com seu filho, independente do tipo de parto”, diz a maternidade. Segundo o hospital, leite artificial ou glicose só é dado sob prescrição do médico neonatologista e “em situações específicas, como ausência de colostro, cirurgias de mamoplastia redutora, hipoglicemia do recém-nascido, etc.”, diz o hospital.

Já a assessoria dos hospitais Santa Joana e Pró-Matre informam que ao nascer o bebê é incentivado a mamar na sala de parto e que depois recebe os cuidados de rotina enquanto a mãe se recupera. “O bebê permanece ao lado da mãe por toda internação e não passa à noite longe dela”, diz a assessoria das maternidades.

O Santa Joana e Pró-Matre afirmam que o bebê só  irá ao berçário se necessitar de cuidados especiais. “Quando o bebê não estiver no apartamento, há uma câmera em cada leito do berçário, onde os pais podem acompanhar seu bebê através de uma tela em seu apartamento”, diz o hospital, que também nega dar leite artificial ou soro glicosado aos bebês. As maternidades dizem que incentivam e apoiam o aleitamento materno exclusivo.

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