
Ninguém te avisou que a gravidez e o parto eram as partes “mais tranquilas” da vida materna. Após o nascimento do bebê, vem o desconhecido e, muitas vezes, solitário puerpério (primeiros meses após o parto). Para algumas mulheres, essa fase é apenas de momentos de alegrias pela chegada do novo integrante da família, mas para uma grande parcela delas é considerado um período difícil e que parece não ter fim.
Mas, por que é tão intensa essa fase dos primeiros meses com o bebê fora da barriga? Além de cuidar de um serzinho novo e que demanda muita atenção e cuidado, esse período é um momento de descobertas e que faz parte do processo de renascimento daquela mulher, que agora é também uma mãe.
“Como uma sociedade patriarcal, ainda preferimos que a puérpera seja vista como uma mulher frágil, deprimida e que precisa ser ‘salva’ pelo homem forte ao seu lado ou pela mãe dela que vai ‘ensinar’ a maternar seu bebê”, diz o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, do instituto de psicologia Rodaviva.
Ele diz que o puerpério é a época onde a mulher “precisa viver o que ela precisa viver em termos emocionais” e que é importante dar suporte sem vitimizar a nova mãe. “Ela precisa de apoio que não a debilite nem a diminua”, avalia.
Para Amaral, o puerpério é luto – sem que necessariamente haja a morte de alguém. “Há muitas perdas simbólicas como não ter o parto planejado, não poder ter sido assistida pelo profissional que queria, não ter tido a participação esperada do companheiro naquele momento, ter que redesenhar planos de carreira, perder tempo para si diante das enormes demandas de um bebê, transformações do corpo, etc.”
Ele explica que esse é um longo processo de elaboração das perdas da vida onde a mulher recolhe histórias antigas, revive cenas marcantes que fundaram a identidade feminina e que agora está em questionamento e transmutação. “Há muito o que ser sentido, vivido, dito. O problema é que, junto disso tudo, está um bebê hiperdemandante, que exige física e emocionalmente esta mãe como em nenhum outro momento de sua vida”, comenta.
O psicólogo diz que os sentimentos desta fase são todos os que um ser humano consegue sentir de uma só vez. Além da alegria pela maternidade, há medos diversos, entre eles, repetir modelos criticados na família, crises conjugais, não saber lidar com o filho, se será ou não uma boa mãe, além de raivas (de si mesma, do bebê, dos familiares, do marido, da carreira, dos profissionais que assistiram ao parto), entre outros sentimentos.
Amaral diz que os profissionais de saúde precisam estar aptos a escutar e dar assistência correta a essa mulher. “Nós precisamos fazer a pergunta primeiro para nós. Como nós lidamos com cada emoção em nós e em quem cuidamos? Uma puérpera não precisa de mais julgamento oriundo dos profissionais, isso ela já tem fácil do entorno familiar”, diz Amaral, que dá cursos de psicologia para quem trabalha com assistência perinatal.
Foi o que aconteceu com a atriz e doula Luciana Ribeiro, 28. Ela diz que após o nascimento da filha Sarah, hoje com três anos, enfrentou muitas dificuldades, principalmente, com a falta de apoio para amamentar. Ela conta que a família estimulou dar mamadeira logo nas primeiras dificuldades que teve e acabou introduzindo precocemente leite artificial.
“Depois, com ajuda de pessoas de fora, consegui voltar a amamentar exclusivamente”, conta Luciana, que teve depressão pós-parto, diagnosticada apenas quando a filha já tinha mais de um ano. Para ajudar outras mulheres, Luciana criou um grupo de pós-parto na Baixada Santista. A depressão pós-parto é quando a mulher tem uma pertubação mental prolongada, que afeta os cuidados com o bebê e, neste caso, é preciso procurar ajuda de um psicólogo ou psiquiatra.
Os sintomas da depressão muitas vezes são confundidos com o chamado baby blues, que é mais comum e atinge uma parcela maior de mulheres. A diferença que o baby blues é apenas uma alteração no humor, sensação de tristeza ou culpa e que normalmente ocorre apenas no primeiro mês de vida do bebê.
Pediatra, obstetra, obstetriz, doulas, enfermeiros obstetras, podem ajudar e muito no pós-parto, por exemplo, com consultoria de amamentação e rodas de conversa que sejam uma continuação do suporte dado nas rodas de gestantes. “Outras opções são, por exemplo, incluir o casal nas consultas sobre o bebê e, é claro, ajudar a mulher a falar do processo sempre inacabado de transformação de sua identidade”, aconselha.
Amaral diz que no pós-parto o melhor é a mulher contar com o apoio de outros profissionais que não necessariamente atenderam o seu parto. “Isso porque é muito comum que as mulheres queiram elaborar questões relacionadas ao parto, e pode ser um obstáculo a presença do profissional que a atendeu ali, diante dela.”
O psicólogo, que também é terapeuta familiar, diz que vê o ciclo gravídico-puerperal de forma mais complexa. “O profissional de saúde precisa entender de muitas dimensões emocionais envolvendo o nascimento deste bebê, tais como: as ambivalências da grávida, as oscilações de humor e o seu impacto nas relações pessoais, a transformação no casamento, na sexualidade do casal, na imagem corporal, e a maior de todas – a transformação da identidade feminina, que é a marca do puerpério.”
