Campanha ‘Março Amarelo’ tem como objetivo aumentar a conscientização sobre a doença e a importância do diagnóstico precoce
Após sofrer cinco abortos – dois após gestações naturais e três depois de tentativas frustradas de fertilizações in vitro – a administradora Régina Silva Pereira Bispo, de 44 anos, está grávida de nove meses e prestes a dar à luz sua primeira filha, Marina. A longa jornada envolveu ao menos dez anos de tentativas de engravidar e um diagnóstico tardio de endometriose, que chegou quando ela já estava com 39 anos. “Passei a vida toda sofrendo com dores incapacitantes e ouvindo das pessoas que era normal e que eu tinha uma sensibilidade maior à dor”, conta.
A endometriose é uma doença relativamente comum e bastante conhecida pelos ginecologistas – estima-se que uma em cada 10 mulheres em idade fértil sofrem com o problema; assim como 50% a 60% das adolescentes e adultas com dores pélvicas e até 50% das mulheres com problemas de infertilidade.
Apesar desses números, a dificuldade no reconhecimento dos sintomas nos seus estágios iniciais e a demora no diagnóstico continuam acontecendo. Estudos demonstram que o diagnóstico da endometriose acontece, em média, entre 7 a 10 anos após o início dos sintomas. Por isso, o mês de março se tornou referência para a campanha “Março Amarelo”, que tem como objetivo aumentar a conscientização sobre a doença e a importância do diagnóstico precoce.
Segundo o ginecologista e obstetra Sérgio Podgaec, do Hospital Israelita Albert Einstein, a demora ocorre por duas questões: a primeira é porque muitas mulheres acreditam que ter cólica e dor na relação sexual é normal, mas não é.
“Sentir cólica é normal quando a dor passa com um analgésico ou com o uso de uma bolsa de água quente, por exemplo. Aquela dor muito forte, que afeta as atividades diárias, não é normal e precisa ser investigada”, destacou.
A segunda causa para a demora no diagnóstico é a falta de conhecimento e experiência dos próprios profissionais de saúde – tanto do médico ginecologista quanto do especialista que vai fazer o exame de imagem.
“Os médicos têm aprendido cada vez mais sobre a doença e esperamos que o profissional que recebe esse tipo de queixa da paciente pense na endometriose e investigue. Outro problema é que o exame de imagem para o diagnóstico depende muito da experiência do profissional que faz o exame e muitos resultados ainda não são confiáveis. Para um diagnóstico correto precisamos de treinamento e capacitação de médicos”, frisou Podgaec.
O que é a endometriose?
A doença é caracterizada pela presença do tecido endometrial (aquele que reveste o útero e é eliminado a cada ciclo menstrual) fora do útero. Esse alojamento em outros órgãos e na cavidade abdominal acaba provocando uma inflamação e fortes dores durante o período menstrual e também durante a relação sexual.
A endometriose tem sido considerada um problema de saúde pública, tanto por seu impacto na saúde física e psicológica da mulher, como pelo efeito socioeconômico decorrente dos custos para o seu diagnóstico, tratamento e monitoramento. Nos últimos 30 anos, diversos estudos foram e continuam sendo realizados com o objetivo de desvendar a doença, entender seus mecanismos e desenvolver novas terapias.
“Ao menstruar, a mulher começa a sentir os primeiros sintomas da endometriose, que são as cólicas muito fortes. A doença vai se desenvolvendo aos poucos porque a principal teoria sobre a origem da doença indica uma menstruação retrógrada. Esse tecido menstrual que deveria ir embora pela vagina reflui pela tuba uterina e cai na cavidade abdominal”, explicou o especialista.
Régina, assim como milhares de outras mulheres, só descobriu que tinha endometriose por causa da dificuldade de engravidar – foram dez anos tentando até receber o diagnóstico da doença. As fortes cólicas indicativas do problema começaram logo após o início da menstruação, aos 15 anos, e foram piorando ao longo da adolescência e da idade adulta.
“Meu fluxo era muito intenso, durava vários dias. Sentia cólicas incapacitantes que não passavam com nenhuma medicação. Muitas vezes eu não conseguia trabalhar e cheguei a desmaiar no serviço. Passei por diversos médicos em busca de uma resposta e nunca me falaram de endometriose. Eu só ouvia que sentir dor era normal e que eu era mais sensível à dor”, lembra Régina.
A primeira gestação aconteceu naturalmente quando ela estava com 34 anos. Cinco semanas depois, sofreu o primeiro aborto. Passou os três anos seguintes tentando engravidar novamente, sem sucesso. Procurou uma clínica de reprodução assistida e também não desconfiaram da endometriose. Engravidou mais três vezes com ajuda da ciência, mas novamente abortou em poucas semanas.
“Minha vida estava um desastre. Tive cinco abortos, perdi seis bebês porque uma das gestações era gemelar. Mas ainda queria muito ser mãe”, disse.
Em 2020, veio a pandemia e Régina teve que adiar mais um pouco o sonho da maternidade. Em 2022, durante uma viagem de férias, ela sentiu fortes dores, dificuldade para caminhar e escape menstrual. Procurou um pronto-socorro imaginando que alguma coisa estava errada. O médico do plantão a examinou e encaminhou para Podgaec, médio do Einstein, que enfim chegou ao diagnóstico. “Descobri que tinha uma endometriose profunda, com foco atrás do útero, acima da vagina e logo abaixo do colo do útero. Seria necessário uma cirurgia para melhorar a qualidade de vida e aumentar aas chances de engravidar”.
Segundo o o ginecologista e obstetra, estudos recentes associam alguns problemas durante a gravidez com o fato de a mulher ter endometriose – e o aborto é um deles, além de pressão alta e placenta prévia: “isso ainda não é uma certeza, mas parece existir uma associação”, disse Sérgio Podgaec.
Em março do ano passado, Régina foi submetida a uma cirurgia por laparoscopia para retirada dos focos de endometriose. Três meses depois engravidou naturalmente e está ansiosa pela chegada da primeira filha. “A cirurgia foi super tranquila e minha recuperação foi rápida. Jamais imaginei que engravidaria naturalmente de novo depois de todas as dificuldades, de cinco abortos e por causa da minha idade. Os primeiros meses foram tensos, mas graças a Deus está tudo bem com a neném”.
Régina lembra da dificuldade em lidar com o problema sem saber o que tinha, diz que sempre foi muito criticada, inclusive por amigas e pessoas do seu núcleo familiar, porque ninguém acreditava nas dores que ela sentia. “A endometriose é uma doença silenciosa que te destrói. E as pessoas não reconhecem, acham que você está com frescura, exagerando. Sentir dor não é normal. Procure ajuda”, completou.
Fonte: Agência Einstein