Clara nasceu prematura de 35 semanas e estava internada na unidade semi-intensiva da maternidade quando a enfermeira tira a fralda para dar banho e diz: “Olha mãe, a fralda da sua filha está seca e você sabe que é pelo xixi que sabemos que o bebê está bem”, disse sugerindo que a mãe aceitasse trocar o leite ordenhado dado no copinho pelo leite artificial na mamadeira.
Imagine uma mãe, recém-parida, em pleno puerpério e com um bebê prematuro, magro, cercado de fios e indefeso. Grande parte das mães acataria o conselho daquela enfermeira pensando que aquilo poderia ser de fato o melhor a se fazer naquele momento. E são inúmeros casos, não só de prematuros, mas de bebês que nascem bem, que a mãe está com os seios cheios de leite, mas que vão precocemente para a mamadeira e leite artificial pois os médicos, a família, enfim, a sociedade como um todo desencoraja a mãe de amamentar.
O desfecho neste caso do bebê prematuro, no entanto, foi outro. Na hora que Clara foi colocada na água do banho, fez um baita xixi. “Nessa hora pensei: obrigada filha por me dizer que estou no caminho certo”, diz Graziela Mantoanelli, 37, que por ter muita informação sobre o assunto não cedeu as orientações de dar leite artificial para a filha que hoje, com 2 anos e nove meses segue mamando. “Ela ainda dá suas mamadas. Estamos em um processo de desmame gradual e respeitoso. Respeitando minhas necessidades e a dela também”, comenta.
Graziela comenta que para ela, assim como muitas mães, amamentar nunca foi natural. “Tive que construir. Foi um trabalho físico e mental porque eu sabia da importância de amamentar. Passei até por translactação (dar leite por meio de sonda ao bebê). Assim como eu, há muitas mães com inúmeros ‘causos’ para contar sobre a amamentação”, relata a mãe de Clara, que é idealizadora do documentário “De Peito Aberto”.
Ela conta que a ideia do filme é mostrar as dificuldades que as mulheres têm para amamentar e como a indústria trabalha para que os profissionais de saúde indiquem leites artificiais na primeira insegurança ou seio rachado da nova mãe. O último levantamento do Ministério da Saúde, feito entre 1999 a 2008, mostra que os bebês mamam exclusivamente no peito até 54,1 dias de vida quando o ideal é manter o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida. A amamentação deve continuar de forma complementar até os dois anos ou mais da criança.
Graziela conta que pesquisou sobre filmes de amamentação e que a maioria traz apenas abordagens técnicas. “Foi aí que tive a ideia de fazer um filme que contasse as histórias das mães, além do conteúdo técnico. Um filme sensível que fala para a alma das pessoas. Escolhi pessoas a dedo e fui apresentando a ideia”, diz a mãe de Clara que montou uma equipe que desde março trabalha no projeto.
Graziela, que é atriz e produtora, optou em fazer um financiamento coletivo para garantir total imparcialidade no filme. A idealizadora do “De Peito Aberto” diz que enfrentou a censura do Facebook que bloqueou a página por mostrar uma imagem de seios pigando leite. Com isso, conta Graziela, dificultou bastante a divulgação do projeto e o financiamento coletivo.
Ela conta que no financiamento coletivo foram feitas cinco metas diferentes e, se alcançar as duas primeiras, a ideia é lançar o documentário já em 2016. Além de ouvir relatos de mães, no documentário serão entrevistados vários especialistas, como antropólogos, doulas, nutricionistas, médicos, entre outros profissionais. “Vamos acompanhar as mães durantes os seis primeiros meses de amamentação, aprofundando um pouco mais sobre os sentimentos e sensações naqueles momentos em que o bicho pega”, comenta.
Se a quinta meta do financiamento coletivo for atingida, também serão entrevistados o pediatra espanhol Carlos González e Laura Gutman, na Argentina.
A produtora explica que ao contar as historias das mães vai mostrar as principais dificuldades da amamentação, como a pega errada, a falta de apoio até como o médico que se diz a favor da amamentação e indica fórmula assim que o bebê não tem o mesmo ganho de peso das consultas anteriores.
“Temos que combater essa imagem de mulher ideal que vem se propagando na mídia, linda, cheirosa, de dentes escovados, sem olheiras e amamentando. Muitas mulheres se apegam nela e acreditam que se não for aquilo algo está errado. E a partir dai é ladeira abaixo”, conta. Ela diz que o filme também vai mostrar para as futuras mães como buscar informação e ajuda diante de qualquer dificuldade. “Quando falo de informação de qualidade, quero dizer, que é uma informação que me dá o poder da escolha. Sem viés ou máscaras. Sem sobrecarregar ou culpar”, comenta.
Veja o teaser do filme abaixo e saiba mais sobre o documentário clicando aqui