Quem tem filho com algum tipo de alergia alimentar normalmente não sai de casa sem um item na bolsa: uma marmita com um lanche ou até mesmo uma refeição completa para o filho. A comidinha especial também acompanha a criança na escola, piqueniques e nas festinhas de aniversário. Afinal, comer em restaurantes, ou melhor, fora de casa é arriscado pois dificilmente os pais encontram produtos ‘limpos’ ou livres de traços.
A engenheira química Rubiane Ganascim Marques, 35, vive adaptando o cardápio da escola e das festinhas dos amiguinhos para o filho Giovane, 5, não passar vontade. “Faço de tudo. Desde alimentos mais saudáveis até coxinha, bolos e bomba de chocolate. Tudo sem leite”, comenta. Ela diz que descobriu que o filho tem APLV (Alergia à Proteína do Leite de Vaca) quando ele tinha somente três meses e meio.
“Voltei a trabalhar e fui dar leite de fórmula para ele. Foi quando ele teve um edema de glote”, conta. Ela diz que em casa não entra nada com leite. “Não deixo ninguém trazer e onde vou levo a comida dele. Na escola, ele só come o lanche que eu mando”, diz.
Rubiane diz que o filho é bem consciente da alergia alimentar e que não aceita comida de ninguém. “Se ele ganha uma bala, um doce, primeiro mostra para a gente para saber se pode. Nunca come sem nos consultar”, afirma.
A reação dele é severa e acontece não só por ingestão, mas pelo contato e cheiro de leites e derivados. Quando tinha dois anos, Giovane começou a ir à escola e tinha reações diárias por conta do contato com os amiguinhos que consumiam leite. “Com o passar do tempo, os funcionários da escola apreenderam a cuidar e as reações foram diminuindo”, diz.
A mãe diz que não sabe quantas reações e idas ao hospital o filho teve, mas a mais grave ocorreu quando ele tinha dois anos e meio. “Ele teve uma anafilaxia com desmaio e vômitos quando entramos em uma pizzaria. Ele reagiu com o cheiro forte do leite. Dei o remédio que foi o que o salvou até chegar ao hospital”, conta.
A pediatra Vânia Gato Medeiros explica que há crianças com alergias mais severas do que outras, como no caso de Giovane. Ela explica que assim que o diagnóstico é feito os pais precisam mudar os hábitos dentro e fora de casa.
Os utensílios, como panelas, louças, liquidificador, talheres, etc. precisam ser separados. Uma panela onde foi feito um brigadeiro, por exemplo, não pode ser usada para fazer outro alimento da criança alérgica pois ficam traços que podem provocar reações.
“Até dá para comer fora dependendo do grau de alergia da criança, mas os pais preferem levar a própria comida para evitar riscos”.
Outra medida, explica a médica, é inovar o cardápio com receitas que excluem leites e derivados, por exemplo, e criar o hábito de fazer uma leitura minuciosa nos rótulos dos produtos, inclusive, os de higiene.
Em junho, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou uma norma dando o prazo de 12 meses para as empresas do setor alimentício se adaptarem e colocarem todas as informações nas embalagens. Conforme mostrou o Mães de Peito, as empresas terão de colocar a rotulagem correta dos alimentos com informações claras e com letras em tamanho legível.
Rubiane conta que o filho passou mal duas vezes justamente por falta de informação no rótulo da embalagem e funcionários do SAC (Serviço de Atendimento ao Cliente) despreparados. Para ela, o mais difícil é a sociedade entender que a alergia é algo sério e grave e que “só um pouquinho pode matar”.
A pediatra aconselha aos pais a procurar grupos virtuais de pais com filhos alérgicos para trocar experiências e receitas. “E um conselho que sempre dou é nunca ofereça nenhum tipo de alimento para uma criança sem antes pedir a autorização dos pais”, comenta. A médica explica que os alérgenos alimentares mais frequentes são à proteína do leite de vaca, ovo, trigo, amendoim, soja, nozes, peixe e frutos do mar.
A médica diz que em torno de 2,2% das crianças têm alergias alimentares nos três primeiros anos de vida e que o tratamento é feito excluindo da dieta os produtos. “Alguns pacientes também têm alergia ao ovo e a soja e esses ingredientes também são retirados do cardápio”, diz.
Ela explica que a tendência é que aos poucos a alergia regrida até que o paciente possa ter uma alimentação normal. “O tempo de exclusão varia conforme cada caso, mas normalmente fica em torno de 12 a 18 meses. A estimativa é que 19% dos casos de APLV sejam resolvidos até a criança completar os 4 anos e 42% até os oito anos. A grande maioria (79%) deve estar curada até os 16 anos”, diz.