Saiba o que muda agora nos partos feitos pelos planos de saúde

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Médicos fazem cesárea em hospital de São Paulo (Foto: Mães de Peito)

Médicos fazem cesárea em hospital de São Paulo (Foto: Mães de Peito)

Para tentar reduzir os altos índices de cesáreas no Brasil, país recordista em nascimentos feitos por meio da cirurgia, entram em vigor nesta segunda-feira (6) as mudanças no atendimento de partos feitos por meio dos planos de saúde.

Na prática as mudanças propostas pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) têm o objetivo de informar a parturiente sobre os riscos da cesárea eletiva (agendada) e se o médico faz mais cesáreas do que partos normais. Agora, a mulher vai poder solicitar dados ao plano sobre os índices de cesáreas e de partos normais feitos pelo seu obstetra e também no hospital onde planeja ter seu bebê. Os dados inicialmente serão referentes ao ano passado.

A gerente geral de regulação assistencial da ANS, Raquel Lisboa, diz que após solicitar as informações, a paciente terá 15 dias para receber os dados. Se a operadora não passar o levantamento, a orientação é procurar a ANS pelo site ou pelo telefone 0800-701-9656 para denunciar o plano de saúde. A operadora que não cumprir as normas poderá ser multada em R$ 25 mil.

A proposta da ANS foi feita no início do ano e os planos de saúde tiveram seis meses para se adaptar. As medidas só foram feitas após a Justiça Federal promover uma audiência pública em agosto do ano passado onde pressionou a agência a fiscalizar os planos de saúde.

Atualmente, no setor privado as cesáreas chegam a 84% enquanto na rede pública são 40% dos partos. A recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) é de 15%.

CARTÃO DA GESTANTE

Além de informação, a gestante também passará a ter o cartão da gestante, onde vão constar todos os dados da gestação, como resultados de exames, eventuais complicações, se ela toma algum medicamento, se tem hipertensão, enfim, todo o histórico da paciente e de seu bebê.

A gerente da ANS explica que esse cartão fica o tempo todo em posse da paciente. “Se o médico dela estiver viajando e ela tiver uma complicação, por exemplo, poderá ser atendida por qualquer plantonista”, explica.

Com o cartão da gestante em mãos, a mulher também tem a possibilidade de trocar de médico a qualquer momento com mais segurança e optar, por exemplo, em ter seu bebê com o médico plantonista da maternidade.

PARTOGRAMA

Outra mudança que gerou uma grande discussão na classe médica é a obrigatoriedade do partograma – um gráfico a ser anexado no prontuário que detalha tudo o que ocorreu durante o parto, com dados sobre a evolução do trabalho de parto.

Para receber pelo parto, os médicos dos planos terão de usar e apresentar o partograma, ou seja, a ideia é que todas as pacientes entrem em trabalho de parto e que elas só sejam levadas para a cesárea caso haja uma intercorrência.

Nos casos em que houver justificativa clínica para a indicação de cesariana sem trabalho de parto, ou seja, sem o uso do partograma, deverá ser apresentado um relatório médico detalhado.

O partograma já é uma recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Ministério da Saúde, sendo usado na maioria das maternidades públicas do país. Esse documento é importante pois possibilita uma avaliação posterior sobre a real necessidade de uma cesárea, por exemplo.

CESÁREA A PEDIDO

E como fazer com a paciente que não quer entrar em trabalho de parto e quer agendar a sua cesárea? Raquel explica que a cesárea a pedido poderá ser solicitada pela gestante, que tem autonomia sobre o seu corpo, mas o médico terá que informá-la sobre os riscos que ela e o bebê vão ter por conta da cirurgia. Veja um modelo de cesárea a pedido aqui.

A cesariana, quando não tem indicação médica, ocasiona riscos desnecessários à saúde da mulher e do bebê: aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados a prematuridade, muitas vezes originadas por cesarianas marcadas com antecedência maior do que o saudável para alguns bebês.

Se mesmo assim a mulher insistir pela cesárea, terá de assinar um termo de consentimento que vai falar sobre todos os riscos. Segundo a ANS, a cesárea a pedido só deve ser feita após a mulher completar 39 semanas de gestação justamente para tentar minimizar os riscos da prematuridade.

O QUE DIZEM OS MÉDICOS

A Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de SP) diz que o Brasil precisa mesmo reduzir os números de cesáreas. Mas, para a entidade, a resolução da ANS pune e responsabiliza apenas os médicos pelo problema. “É preciso reformular o modelo de assistência ao parto no Brasil e não apenas responsabilizar os médicos pelo excesso de cesáreas”, diz o obstetra César Eduardo Fernandes, diretor científico da Sogesp.

Ele diz que a presença das obstetrizes e enfermeiras obstetras no parto é importante, por exemplo, e que haja uma mudança cultural para que as parturientes aceitem ser atendidas por médicos plantonistas e não somente pelo profissional que fez o seu pré-natal. “O parto deveria ser feito pela equipe que está de plantão no hospital pois o médico do plano não é remunerado para isso”, diz o obstetra.

O médico diz que aí surge outro problema. A associação fez recentemente um levantamento em 30 maternidades particulares do Estado de São Paulo onde constataram falta de equipe de plantão, ou seja, não estavam com os quadros completos de obstetras, anestesistas e neonatologistas para atender uma parturiente que chegasse à maternidade.

Mãe com o bebê no colo logo após parto normal (Foto: Bia Fotografia)

Mãe com o bebê no colo logo após parto normal (Foto: Bia Fotografia)

REMUNERAÇÃO E TAXA DE DISPONIBILIDADE

Ele cita que se a data provável do parto da gestante é dia 5, por exemplo, esse médico no mínimo tem que ficar de prontidão 10, 15 dias antes ou 10 dias depois. “Ele não pode viajar, ir a uma festa, por exemplo. O plano paga para ele entre R$ 300, R$ 400 pelo parto. Muita coisa precisa ser reformulada pois o médico fica à disposição esperando a parturiente entrar em trabalho de parto sem ter qualquer remuneração para isso”, lamenta.

Muitos médicos, no entanto, têm seguido uma recomendação do CFM (Conselho Federal de Medicina) de cobrar por fora do plano o parto (taxa de disponibilidade). A medida, no entanto, é considerada ilegal pela ANS que pede que os médicos sejam denunciados aos convênios para serem descredenciados se for comprovada a prática.

Questionada se essas medidas não farão o médico deixar de fazer parto pelo plano e passar a cobrar somente de forma particular, Raquel diz que não dá para saber se isso ocorrerá. Para a ANS, a tendência é que diminuam os índices de cesáreas. “O problema da alta taxa de cesáreas é multifatorial e cultural no nosso país. Com essas medidas de conscientização, esperamos que esses números reduzam”, diz Raquel, sem fazer uma estimativa de qual seria o índice ideal para o Brasil.

Outro problema citado pelo diretor da Sogesp é a falta de preparo das maternidades particulares, que além de não terem leitos suficientes muitas vezes não tem salas apropriadas para o parto normal. “Muitas vezes essas poucas salas, quando existem, estão ocupadas e isso precisa ser revisto também”, comenta.

Fernandes comenta ainda que muitos médicos estão abandonando a obstetrícia justamente pelos problemas encontrados e a baixa remuneração. Ele repara que os médicos que têm se formado também não tem optado pela área justamente por não ter horário certo para trabalhar. Ele diz ainda que apoia reduzir o número de cesáreas, mas que a medida da ANS é inócua. “Reduzir as cesáreas não se resolve com a ponta do lápis, é preciso recursos financeiros, treinar pessoal e ter uma forma digna de remuneração”, comenta.

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