‘Meu filho usa vestido sempre que quer e qual o problema disso?’

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Carol e o filho Chico durante uma palestra (Foto: arquivo pessoal)

Carol e o filho Chico durante uma palestra (Foto: arquivo pessoal)

Chico tem seis anos e é um menino como qualquer outro na sua faixa etária: gosta de ir ao parquinho, brincar de super-herói e de jogar bola. A mãe de Chico, a jornalista Carol Patrocinio, 31, conta que quando tinha cinco anos o menino pediu, na maior naturalidade, para ganhar um vestido para ele usar.

O primeiro “vestido” que ganhou era uma espécie de  “camisetão” com uma única estampa.  Mas, antes disso ele já gostava de brincar fantasiado com as roupas de princesa das suas amiguinhas.  “Ele gostou do primeiro vestido que ganhou, mas deixou claro que ele queria mesmo um vestido que girasse e que fosse todo colorido. Na mesma época ele ganhou um vestido na escola em que estudava. Ele ficou apaixonado pela peça e me perguntaram se podiam dar pra ele. Eu e meu companheiro deixamos”, diz Carol.

Como passou a gostar de vestidos, Chico ganhou outras peças no seu guarda-roupas e costuma sair de casa com a roupa que quer. “Normalmente a gente pede pra ele não usar quando vai praticar esportes ou ir a lugares em que o vestido pode atrapalhar a brincadeira – o que faríamos também caso ele fosse uma menina -, mas de resto deixamos que ele escolha a própria roupa”, comenta a mãe.

Questionada por que deixa o filho usar vestido, a jornalista diz que deixa pois também deixava o filho mais velho, Lucca, hoje com 13 anos,  usar camiseta de futebol e chuteira em todos os lugares queria. “Porque não deixaria o mais novo usar o que quer? Só porque não faz parte do papel que querem que ele interprete? Veja, a masculinidade ou a heterossexualidade também são papéis representados, também são performances de algo. Não há diferença aí”.

Chico com um dos seus vestidos (Foto: arquivo pessoal)

Chico com um dos seus vestidos (Foto: arquivo pessoal)

O irmão de Chico também nunca questionou nenhuma escolha do irmão. “É incrível ver como os dois são unidos e se apoiam. O Lucca, inclusive, explica para as crianças mais velhas que elas precisam parar de pensar como se estivessem vivendo em outra época”.

Como tem o cabelo mais comprido, Carol diz que na ruas as pessoas acham que ele é uma menina. “Raramente notam que ele é um menino de vestido. Quando notam, parece não fazer diferença. Outras crianças até perguntam sobre o vestido e aí ele responde que todo mundo pode vestir o que quiser e que não existe isso de coisa de menino e coisa de menina”.

Recentemente, uma foto do menino de vestido foi publicada no perfil da mãe no Facebook e essa imagem foi publicada em um grupo sem a sua autorização. Logo, conta a mãe, passou a receber mensagens ofensivas. “Foi difícil e doloroso saber que um dia ele pode sofrer porque as pessoas preferem estar certas do que olhar de verdade para o outro”. Ela conta que Chico não sabe da repercussão que teve o caso, mas que ela e o pai do menino ficaram ainda mais focados em transformar as coisas e tornar o mundo um lugar mais justo com todo mundo.

“O preconceito existe quando a gente acredita que sabe o que é certo e errado. A gente deixa de olhar para o outro, de tentar entender o que está sendo dito e se agarra a uma verdade que nos coloca em um lugar de superioridade. Isso costuma ser coisa de adulto”, ressalta.

As crianças, comenta,  encaram tudo com naturalidade. “As crianças, inclusive, educam os adultos. Explicam que é só um vestido, que roupa é só roupa e que cada pessoa pode ser quem ela é. Os adultos é que são o problema, são eles que têm tanto medo do desconhecido que se trancam em quartos escuros e esperam que nada ilumine aquele cantinho.”

Para Carol, quando você mostra a uma criança que roupas são só roupas e não dizem nada além disso, ela entende com uma facilidade surpreendente. “É claro que algumas voltam pra casa e são repreendidas pelos pais, que jogam o ‘certo’ pra cima dela como uma verdade absoluta, e aí é um retrabalho  diário pedir respeito ao diferente. Mas normalmente as crianças lidam melhor do que os adultos”, afirma.

“Quantos adultos, antes de explicar o “certo”, já tentaram ouvir o que a criança tem a dizer? Aqui em casa a gente faz isso o tempo todo. As crianças fazem uma pergunta e a gente responde com ‘o que você acha que é?’. O máximo que pode acontecer é a gente rir com as respostas inusitadas”, diz Carol.

A mãe diz que não foi fácil lidar com o primeiro pedido de vestido ou de boneca. “Não foi porque a gente ficou morrendo de medo do mundo, de como as pessoas iam lidar com aquilo, de como tudo ia cair sobre o Chico. Mas aí pensamos em algo muito simples: a gente prefere mudar nosso filho ou o mundo? A única resposta possível aí é mudar o mundo. Nosso filho não fez nada de errado e vamos defendê-lo de todas as maneiras necessárias”.

Para a mãe, escolher vestidos nada tem a ver com sexualidade. “Chico é um menino que gosta de usar vestidos. Ele tem 6 anos e por mais que a gente acredite que ele já entende muitas coisas sobre si mesmo não entramos na conversa sobre identidade ou orientação. Por enquanto ele é um menino que usa vestido. Se ele escolher não usar mais quando crescer, lindo.Se ele nos disser que é trans, lindo. Se ele nos disser que é gay, lindo. Se ele nos disser que é hetero, lindo.Se ele nos disser que é bi, lindo. A gente não tá falando aqui sobre orientação sexual ou identidade de gênero, estamos falando de roupas. Nada além.”

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