Você já ouviu alguém perguntar para um pai como ele concilia a paternidade e a sua carreira? Certamente nunca, afinal, parece ridículo esse questionamento. E quantas vezes vemos uma mulher ser interrogada sobre como consegue equilibrar seu trabalho e os cuidados com os filhos? Essa pergunta não deveria ser tão descabida quanto a primeira? Deveria, mas apenas se todos os pais tivessem a mesma participação e responsabilidade na criação e cuidados com as crias que as mães.
A nossa sociedade ainda é muito machista e coloca a mãe sempre na figura central no cuidados dos filhos. Claro que é ela quem vai gestar, parir, amamentar, gozar da licença-maternidade (quando tem uma), mas o pai precisa ter co-responsabilidade na criação do filho, seja decidir qual escola ele vai estudar até assuntos mais corriqueiros, como dar banho, escovar os dentes e colocar na cama.
Francisco Bosco, autor do livro “Orfeu de Bicicleta – um pai no século XXI” onde mostra justamente como é criar os filhos nos dias atuais, diz que ainda é incomum que os homens se apropriem da experiência parental. Francisco, que também é presidente da Funarte, fala que a sua geração é diferente da de seu pai, o músico João Bosco.
Francisco, 38, comenta que a geração do seu pai era de transição onde as mulheres ainda estavam se emancipando e conquistando o mercado de trabalho, ou seja, o pai ainda era o provedor tradicional da casa.
“Já eu faço parte de uma geração em que as mulheres trabalharem fora de casa é a regra. Ora, se o trabalho externo deve ser dividido, o trabalho doméstico também o deve ser”, diz Francisco, pai de Iolanda, 3, e Lourenço, 2.
”Os pais contemporâneos [os que são efetivamente contemporâneos]participam de todos os aspectos da vida dos filhos: da regulação do sono ao controle da vacinação, da alimentação ao desfralde etc”, diz
No entanto, ainda há pais que se recusam a dividir os cuidados com a parceira mesmo se ambos trabalham fora de casa. “A ideia de que quem cria é a mãe e o pai provê recursos para a casa ainda é encarada como o modelo que todas as famílias devem seguir”, avalia o engenheiro Thiago Queiroz, 33, autor do blog Paizinho, Vírgula e pai de Dante, 2, e Gael, 4 meses.
PAI NÃO PODE SÓ ‘AJUDAR’
As pessoas precisam parar de perguntar ao casal se o pai “ajuda” pois enquanto o pai estiver apenas “ajudando”, a mulher ainda continuará exausta ao cuidar das multitarefas. “Quem ajuda, ajuda quando dá, não tem responsabilidades. E isso não é compatível com criar filhos, porque não dá para criar os filhos quando dá”, comenta.
Thiago diz que quando ambos trabalham fora, não é a mulher quem deve chegar e cuidar sozinha dos filhos. “Quando os pais estão presentes, eles precisam compartilhar o cuidado. Só assim eu imagino que conseguiríamos chegar em uma configuração onde a mãe não continue tão sobrecarregada”, diz.
Ele diz ainda que um pai que troca fraldas, dá banho no filho é visto como um herói enquanto nenhuma mulher é enaltecida por fazer o mesmo. “Isso é bem constrangedor porque esses homens estão fazendo o mínimo que deveriam, já que são pais. O caminho não é vangloriar os que trocam fraldas, mas cobrar os que não trocam”, diz.
Para Thiago, é preciso desconstruir o machismo e desfazer essa crença cultural de que mãe é quem cuida dos filhos e pai só serve para punir ou impor medo dos filhos. “É uma desconstrução diária conscientizar os pais de que eles devem assumir suas responsabilidades enquanto cuidadores e que isso pode ser algo prazeroso”.
Ele comenta que ao conversar com os outros pais se espanta com a falta de compreensão da parte deles sobre o trabalho de cuidar das crianças. “Eles ficam indignados com as parceiras que aparentemente ‘não entendem’ que eles precisam descansar após chegar do trabalho. Sempre dizem que elas ‘só ficam’ com a criança o dia todo”, diz Thiago.
Thiago afirma que costuma questionar se seus amigos já ficaram sozinhos um dia todo com os filhos para ver o trabalho que dá. “A resposta que dão é que nada se compara ao trabalho deles, enfim, ocorre um menosprezo pelo trabalho de cuidar de uma criança, algo que tira todas as esperanças porque mostra como é difícil quebrar esse ciclo de preconceito, machismo e falta de empatia”, comenta.
PAI NÃO TEM PEITO, MAS TEM MÃOS
Thiago comenta que alguns pais falam que não acordam de madrugada pois “não tem peito para dar”, mas o homem precisa procurar seu espaço e participar da criação dos filhos desde os primeiros dias. “Não temos peitos para amamentar, mas tenho mãos para fazer um monte de coisas, como manter a casa em ordem, oferecer todo o apoio que a mãe precisa em suas próprias necessidades e, inclusive, para dar colo ao bebê, quando esse não está mamando”.
Para o blogueiro, que é especialista em criação com apego e disciplina positiva, os pais precisam se preocupar com a mãe, principalmente no período do puerpério que é desafiador e solitário. “É essencial que a mulher seja cuidada também. Suas necessidades precisam ser entendidas e atendidas, e o homem pode desempenhar um papel fundamental nesses momentos”, comenta.
Thiago diz ainda que não é fácil encontrar e entender o papel de pai quando você se torna um, mas que tudo fica mais fácil ao perceber que a criação dos filhos é uma questão de parceria eterna. Ou seja, você pode se separar da sua companheira, seus filhos vão crescer, mas sempre serão os filhos dos dois.